Lenio
Streck
Por
Lenio Luiz Streck*
Ou "A absoluta e flagrante
inconstitucionalidade da nova resolução do TSE".
E começa tudo de novo. A população
foi às ruas pedir a derrubada da PEC 37. O Congresso, assustado, por
unanimidade atendeu aos apelos do povo. Pois não é que o TSE resolveu
repristinar a discussão, por um caminho mais simples, uma Resolução?
Para quem não sabe, explico: pela
Resolução 23.396/2013, o Ministério Público e também a Polícia de todo o Brasil
não podem, de ofício, abrir investigação nas próximas eleições. É isso mesmo
que o leitor leu. Segundo a nova Resolução – que, pasmem, tem data, porque vale
só para 2014 – somente poderá haver investigação se a Justiça Eleitoral
autorizar.
Então o TSE é Parlamento? Pode ele
produzir leis que interfiram no poder investigatório da Polícia e do Ministério
Público? Não acham os brasileiros que, desta vez, o TSE foi longe demais?
O Presidente do TSE, ministro Marco
Aurélio, votou contra a tal Resolução, afirmando que "o sistema para
instauração de inquéritos não provém do Código Eleitoral, mas sim do Código
Penal, não cabendo afastar essa competência da Polícia Federal e do Ministério
Público". Bingo! Nada mais precisaria ser dito.
O presidente da Associação Nacional
dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, afirmou que a medida é
inconstitucional: "Se o MP pode investigar, então ele pode requisitar à
polícia que o faça. Isso também é parte da investigação", afirmou.
Veja-se que a Resolução desagrada
inclusive aos juízes (ou a um significativo setor da magistratura). Como diz o
juiz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a
decisão é equivocada e pode trazer prejuízo à apuração de irregularidades nas
eleições deste ano, verbis: "O Ministério Público precisa de liberdade
para agir e deve ter poder de requisição de inquéritos. Assim é em todo o
âmbito da justiça criminal e da apuração de abusos. Não faz sentido que isso
seja diminuído em matéria eleitoral. Pelo contrário, os poderes deveriam ser
ampliados, porque o MP atua justamente como fiscal da aplicação da lei".
Na visão do magistrado, a regra
introduzida pelo TSE este ano é inconstitucional, pois "cria uma limitação
ao MP que a Constituição não prevê". "O MP tem poderes para
requisitar inquéritos, inclusive exerce a função de controle externo da
atividade policial. Entendo que só com uma alteração constitucional se poderia
suprimir esses poderes", explica. E eu acrescento: aliás, foi
por isso que a PEC 37 foi rejeitada no Parlamento, porque é matéria
constitucional.
A
quem interessa essa limitação?
Nosso país é estranho e surreal.
Avança de um lado, por vezes... e logo depois dá um salto para trás. Pergunto:
em que a investigação de oficio – aliás, é para isso que existe o MP e a
Polícia, pois não? – prejudicam o combate à corrupção eleitoral? Em quê?
Todos os dias Delegados e membros do
Ministério Público investigam, sponte sua, crime dos mais variados em todo o
território. A pergunta é: por que os crimes eleitorais seriam diferentes? No
que? Por que mexe com políticos poderosos? O argumento do TSE não convence
ninguém. Aliás, irônica e paradoxalmente, não convenceu nem seu Presidente,
Min. Marco Aurélio. Espera-se que o STF declare inconstitucional essa medida.
Na verdade, com tudo o que já se escreveu e discutiu sobre o combate à
corrupção, investigação da polícia, MP, etc, até o porteiro do Supremo Tribunal
já está apto a declarar inconstitucional a tal Resolução.
Numa palavra: O que fazer com o
artigo 365 do Código Eleitoral? Uma Resolução vale mais do que uma Lei? E os
Códigos Penal e de Processo Penal? Valem menos do que uma Resolução de um órgão
do Poder Judiciário? Pode uma Resolução alterar prerrogativas constitucionais
de uma Instituição como o Ministério Público?
Uma pergunta a mais: valendo a
Resolução, o MP toma conhecimento de um crime e “pede” ao juiz para que
autoriza a investigação... Suponha-se que o Juiz não queira ou entenda que não
há motivo para a investigação. Faz-se o que? Recorre? Só que, na dinâmica de
terrae brasilis, em que os feitos não andam, se arrastam, a real investigação
que tinha que ser feita vai para as calendas. Eis o busílis da questão. Todo o
poder concentrado no Juiz Eleitoral. É isso que se quer dizer com a palavra
“transparência”?
Mais: qual é diferença de um crime de
corrupção não-eleitoral com um de corrupção eleitoral? Por qual razão o
indivíduo que comete crime eleitoral tem mais garantias – é o que parece querer
ter em mente o TSE – que o outro que comete crime “comum”? Um patuleu comete um
furto e qualquer escrivão, por ordem do Delegado, abre inquérito contra ele;
mas se comete crime eleitoral... há que pedir autorização judicial.[1] A
pergunta fatal, para o bem e para o mal: não teria que ser assim em todos os
crimes? Ou quem comete crime eleitoral possui privilégios sistêmicos? Não temos
que tratar todos do mesmo modo em uma democracia?
(Extraído do site da AMARRIBO BRASIL)
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