G1 ouviu
cientistas políticos, economistas e membros do poder público. Propostas vão
desde combater 'caixa 2' até acabar com cabide de emprego.
Interromper
o fluxo de dinheiro que alimenta a corrupção demanda muito mais do que fazer
uma boa escolha nas urnas e cobrar ética dos governantes. No dia 9 de dezembro
de 2003 o Brasil e mais 111 países assinaram a Convenção das Nações Unidas
contra a corrupção, e o dia ficou conhecido desde então como dia internacional
contra a corrupção.
O G1
procurou especialistas nas áreas de ciência política, administração pública,
economia e representantes do poder público para saber o que é possível fazer,
na prática, para combater fraudes em prefeituras e governos.
Combater
o ‘caixa dois’
O “caixa dois” sempre cobra retorno, diz o cientista político e professor da
Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antônio Teixeira, que defende maior
controle sobre doações para evitar que financiamento de campanha vire
financiamento de lealdade após as eleições. “O custo da política é tão alto que
isso acaba comprometendo o político muito mais com quem financia a campanha do
que com o eleitor (...) o candidato busca apoio aqui e ali, e obviamente vai
tentar devolver esse apoio sob a forma de prestação de serviço e favores. Isso
quando não fica depende do grupo que captou dinheiro para ele. Aí você
transforma o governo em um clube restrito aos interesses dessas pessoas”, diz.
Acabar com o cabide de emprego
Acabar com o cabide de emprego é a solução apontada pelo professor de
Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UnB), José Matias Pereira. De
acordo com ele, a administração pública tem que ser conduzida por funcionários
de carreira, que devem ser selecionados por vocação e cobrados por desempenho.
“Quem é de carreira conhece o funcionamento da sua área e permanece na instituição
quando termina o governo. [Se] a pessoa chega ao setor público de paraquedas,
na hora que o padrinho dela sai, volta para sua região e nunca mais se ouve
falar dela.”
Fortalecer partidos
“Se nós queremos eliminar o fenômeno do mensalão, temos que fortalecer os
partidos e enfraquecer os poderes individuais dos parlamentares”, diz o
cientista político Bruno Speck, da Unicamp. Para isso, ele defende uma cláusula
de barreira que estipule um percentual mínimo de votos para um partido. “Quando
você tem menos partidos, esses poucos partidos, por serem maiores, têm mais
poder sobre os deputados. Isso faz com que as negociações girem mais em torno
de acordos políticos e não de acordos individuais.”
Mais participação em conselhos
Você já participou de algum conselho da prefeitura ou de alguma audiência
pública sobre orçamento? Não? Pois saiba que neles, é possível ajudar a
planejar e fiscalizar gastos. “Muitos governos criam conselhos apenas para
cumprir a lei. Se a prefeitura não tem conselho de merenda escolar, não recebe
o repasse. A sociedade também fecha os olhos a isso, tanto é que alguns
governos fazem audiência pública e só comparecem cinco pessoas”, diz o
economista Valdemir Pires, coordenador do curso de Administração Pública da
Unesp.
Simplificar processos
É nas entrelinhas de processos confusos, cheios de detalhes e exigências que
se criam oportunidades para desvios, diz o professor da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) Ivan Beck, doutor em Administração e pesquisador da área de
gestão pública, que defende a desburocratização do setor público. “Em
licitações onde há um processo seletivo muito complexo, exigente, é onde você
facilita arranjos entre empresas que vão ganhar, que vão trocar. E não se
controla posteriormente essas empresas, quem ganha e quem não ganha”, aponta.
Mais rigor para orçamentos e gastos
Segundo o economista Valdemir Pires, da Unesp, os orçamentos públicos devem
ser “mais sérios”. “Ele (orçamento) se altera completamente na hora da
execução. Ao final, não se tem aquilo que se planejou. Não é um instrumento nem
de planejamento, nem de controle adequado. Tem que sair da condição de rito
legal e ser instrumento de planejamento e transparência.” Ivan Beck, da UFMG,
defende a criação de leis que impeçam a “flexibilidade” para aprovar gastos por
meio de rubricas ”em coisas que não têm nada a ver com o interesse público”.
Fortalecer órgãos de controle
Tribunais de contas são órgãos de controle externo dos gastos públicos,
encarregados de analisar prestações de contas. Ivan Beck, da UFMG, diz que
esses órgãos precisam de mais funcionários e capacitação. Os servidores,
segundo ele, devem conhecer a realidade de secretarias, prefeituras e governos
para ter discernimento sobre o porquê de determinadas ações. “Alguns casos são
de corrupção, outros casos são de total falta de alternativa de ação, que se
confunde com desvio. [É preciso] evitar perda de tempo de ficar procurando
gastos com café, com compra de pizza, e [não] deixar de lado outros desvios
grandes que não são coibidos.”
Reduzir número de recursos
“A gente não pode tratar um desvio de recursos públicos num montante
expressivo como se fosse um roubo de um supermercado. Crime de corrupção
deveria ter caráter mais ágil porque a sociedade está ficando desiludida”, diz
o secretário-geral do Tribunal de Contas da União (TCU) na Paraíba, Rainério
Leite, que coordena o Fórum de Combate à Corrupção no estado. Para combater
impunidade e desilusão, ele defende encurtar o caminho percorrido pelos
processos. “Tem cinco ou seis recursos que podem ser interpostos ao longo de
vários anos. A gente precisa reestudar a legislação para que a resposta do
Estado nesses casos seja muito mais imediata.”
Agilizar cumprimento de pena
O vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Wellington
Saraiva, diz que há um “estímulo ao atraso processual” no país. “Qualquer
cidadão que seja processado tem direito de recorrer à segunda instância e,
dependendo do caso, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal
Federal (STF). Há dois anos, o Supremo disse que, se o cidadão estiver
respondendo ao processo em liberdade e for condenado, só começará a cumprir a
pena depois que o processo for confirmado por todas essas instâncias.”
Alterar prazo de prescrição de crimes
Para o procurador regional da República Wellington Saraiva, o sistema legal
de prescrição gera impunidade. “Mesmo que o cidadão seja condenado, se o
processo demorar determinado prazo - e mesmo que demore por causa de recursos
da defesa – a punição é extinta e o processo vai para o arquivo. Por exemplo,
para um crime que tenha pena de um ano de prisão, a lei estabelece que o prazo
de prescrição é de quatro anos. Então, o advogado sabe que basta recorrer e
fazer o processo demorar mais de quatro anos para o cliente dele jamais cumprir
pena de prisão”, diz.
Fonte: G1
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