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quarta-feira, 26 de junho de 2013

Ativista fala sobre manifestações no DF

Desde a época da ditadura militar, não se via manifestações tão densas e com propósito social como as que têm ocorrido nas últimas duas semanas. Em apenas um dia - na quinta-feira da última semana - mais de um milhão de pessoas foram às ruas em mais de 70 cidades para reivindicar melhorias na gestão pública do País.
Entretanto, pode-se afirmar que as manifestações já tiveram um início. O Movimento da Ficha Limpa foi a semente dessa iniciativa popular. Ainda que em pequena quantidade, foi nas marchas para defender esta lei, que as mobilizações para uma mudança começaram. É o que a acredita uma das diretoras do Movimento Combate Corrupção Eleitoral (MCCE), Jovita Rosa.
Militante na área da saúde desde 1996, Jovita vê futuro nas manifestações e acredita: "Tem parlamentares que em 2014 não retornarão", avisa. Ela também critica a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). "A situação no Distrito Federal está caótica", define. Entre um protesto e outro, Jovita concedeu entrevista ao jornal Guardião Notícias. Confira os principais trechos.
Guardian Notícias - Como a senhora avalia as manifestações realizadas nas últimas duas semanas?

Jovita Rosa - Há muito tempo a sociedade tem reclamado, mas silenciosamente. Tem resmungado contra os mensalões, desvios dos recursos públicos de hospitais, da educação. Reclamam também da privatização do SUS (Sistema Único de Saúde) e das estatais. Das obras mal acabadas e das empresas fazerem grandes investimentos em políticos. Até então isso não tinha tido resultado por que quando o Tribunal de Contas, por exemplo, embargava uma obra, não se resolvia este problema, criavam uma lei para conter o Tribunal. Quando o Ministério Público vem e investiga políticos famosos, vem com uma PEC para diminuir o poder investigativo do MP. Agora, a sociedade veio às ruas por conta de não ter sido ouvida de outra forma.
GN - Em relação a coloração partidária, esses manifestos tem algum alvo?

Jovita - São todos. Veja que todos os partidos que estão na base aliada da Dilma, estavam na base do Lula, do Fernando Henrique, do Collor. Os mesmos partidos que estão na base do governo Agnelo, estavam também no governo Arruda e do Roriz. Então, são contra todos. As legendas tiveram a oportunidade de fazer a diferença. Nós vivemos numa democracia e eles se vendem. Nós queremos mudanças, queremos seriedade na condução do Brasil.
GN - Acha que o vandalismo apaga a pretensão da grande maioria?

Jovita - Não. Nós estamos indo pacificamente. Na sexta-feira (quando depredaram o prédio do Palácio do Itamaraty), eu estava e gritávamos: sem vandalismo. Somos a grande maioria e vejo que esse pequeno grupo não vai tirar nossa força, nossa mobilização. Agora, as ruas estão sendo tomadas pacificamente com poucos vândalos, um percentual muito pequeno. A grande mídia prefere mostrar o vandalismo do que a grande parte dos manifestantes.
GN - Nas últimas duas semanas de manifestações, os governantes pouco falaram. Não deram posicionamento firme e objetiva da situação. Como vê essa falta de comunicação?

Jovita - Acho que não estão acreditando no que estão assistindo. A presidente convocou uma reunião e cancelou alguns compromissos e vai tomar medidas. Ela tem tomado medidas que tem agrado a população. Quando descobre alguém cometendo um mal feito ela tem demitido. Mas os outros governantes estão ainda processando os acontecimentos e espero que mudem a forma de governar.
GN - A senhora acredita que as mobilizações, na verdade, tiveram início com as passeatas do Movimento Ficha Limpa?

Jovita - Eu acredito que a Lei da Ficha Limpa mostrou a sociedade, que ela unida tem força. A partir do momento que pegamos esta bandeira e a sociedade, mesmo algumas vezes sem acreditar, mas assinou na esperança que desse certo, e deu certo, acho que a sociedade deu uma acordada. Esta lei como uma pedra fundamental. Foi uma semente.
GN - Mas existem ensaios no Congresso para inviabilizar a Ficha Limpa?

Jovita - Tem parlamentares que em 2014 não retornarão. E toda sorte de maldade que puderem fazer até lá, vão tentar fazer. E é assim, tiram o poder do Ministério Público, flexibilizam a Ficha Limpa aos poucos. Em uma reunião no Congresso na semana passada, eu pedi para que não tocassem nesta lei que a sociedade não vai tolerar tocar na lei que ela criou. Para mudar, somente uma outra legislação de iniciativa popular também.
GN - Mas as manifestações, mais do que passeatas, devem ocorrer nas urnas. Concorda?

Jovita - Sem dúvida nenhuma. A gente tem insistido nisso. Apesar de que a população que vai às ruas estão rejeitando as bandeiras partidárias, nas ruas temos que demostrar uma outra força: não reeleger. Temos assistido vários desmandos, mas continuamos a eleger as mesmas pessoas. A população também precisa ter coerência nessas próximas eleições. A minha proposta é que a gente não reeleja, por que as pessoas que já estiveram aí, tiveram a oportunidade de fazer alguma coisa e não fizeram, estão cuidando do próprio umbigo.
GN - A senhora é auditora do SUS, no Ministério da Saúde. Qual o cenário desse serviço no DF?

Jovita - A situação do SUS no Distrito Federal está caótica. Por um desmando de longa data. A gente não vê o conselho de saúde atuando. Quantos anos a saúde pública do DF está um caos e eu nunca vi um conselho reprovar as contas de um gestor? Nunca vi uma atuação fiscalizatória do conselho de saúde do DF. Eles são comprados. São totalmente comprometidos com a gestão. E outra: tem muitos conselheiros que estão lá para garantir que o sistema não funcione. Se o SUS funcionar minimamente, muita gente não vai precisar de um plano de saúde e isso vai colocar em risco grande empresas que sobrevivem da má gestão do SUS.
GN - Certa vez, o ex-secretário de Saúde no governo Roriz, Jofran Frejat, disse que na gestão de Agnelo, a precarização da saúde pública era intencional para poder privatizá-la. A senhora concorda com essa avaliação?

Jovita - Concordo. Não só o governo do Distrito Federal, como em todos os governos. Primeiro precarizam o público para justificar a privatização. E quando privatizam fazem os investimentos. O que aconteceu nos hospitais universitários? Foram anos sem investimento nenhum, sem concursos. Os hospitais precisavam funcionar. Criaram uma forma de contratação muito precária e agora, depois de mais de 20 anos, criam uma empresa, uma sociedade anônima para tomar conta dos hospitais universitários. Isso por quê: ao longo dos anos, ninguém faz investimento.
GN - Temos exemplos locais?

Jovita - Aqui em Brasília, o governo anterior ao Agnelo montou o hospital de Santa Maria, e colocou nas mãos de uma empresa. A única que perde é a população. Quando a gente pega todos os grandes financiadores de campanhas eleitorais, vemos eles beneficiados com a política privatista.
GN - Além integrar o MCCE, também integra o Instituto de Fiscalização e Controle. Lutaram para viabilizar a Lei da Ficha Limpa. Qual a próxima medida que pretendem tomar para moralizar a gestão pública?

Jovita - Nesta semana vamos lançar mais uma lei de iniciativa popular, que a lei que estamos chamando de eleição limpa. Temos que acabar com o financiamento das empresas em campanhas. Defendemos o financiamento público. Eu ouço histórias de vereadores que gastam R$ 2 milhões. Isso é inadmissível. Quando é que uma pessoas vai tirar do seu patrimônio esse valor? Essas grandes construtoras doam para campanhas, mas depois ganham todas as licitações e obras mal feitas. Tudo isso para tirar o dinheiro que investiram. Hoje a campanha já tem recurso público e sem fiscalização nenhuma. As empresas não tem que financiar campanha, tem que pagar seus impostos.

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