O historiador José Antonio Moroni, um dos coordenadores
da Coalizão pela
Reforma Política Democrática e do Instituto e Estudos
Sócio-Econômicos (Inesc),
Moroni: “Chegamos ao limite.
Precisamos criar novas institucionalidades processem as demandas populares. Não
podemos ter medo – e sim, ousadia”
José Antonio Moroni, entrevistado por Antonio
Martins
Em que pé está a
articulação da sociedade civil em torno de um a plataforma para a Reforma
Política?
Hoje temos duas
grandes estrategias politicas em relação a reforma do sistema politico. Uma que
a Iniciativa Popular da reforma politica que trata de uma nova regulamentação
dos instrumentos de democracia direta e novas normas para o processo eleitoral.
Estas mudanças podemos fazer por projeto de lei, não precisam mudanças
constitucionais.
Outra estrategia é
a convocação de uma Constituinte exclusiva e soberana para o sistema politico.
As organizarmos um plebiscito popular, quisemos chamar atenção para a
importância de ir mais fundo, alterando também os dispositivos constitucionais
que tratam do sistema político.
São duas
estrategias distintas, mas que se complementam. Uma tem como objetivo uma
incidência a curto prazo; outra, mais a médio e longo prazos.
Vamos por partes,
então Que pontos específicos esta Iniciativa Popular pretende? Quem os defende?
Em que estágio está? Coleta de assinaturas?
Primeiramente,
devemos esclarecer que iniciativa popular não pode propor mudanças
constitucionais. Como isso está excluído, nosso projeto concentra-se em dois
grandes eixos: ampliar as possibilidades de democracia direta e enfrentar
enormes distorções do sistema eleitoral.
Em favor da
democracia direta, queremos alterar as leis que regulamentam o artigo 14 da
Constituição, ampliando o papel e a força dos plebiscitos, referendo e projetos
de iniciativa popular. Algumas decisões centrais para o futuro do país – por
exemplo, alienação dos recursos minerais ou das fontes de energia hidráulica da
União – só poderiam ser adotadas por meio de plebiscitos ou referendos.
No que trata das
iniciativas de lei que partem da sociedade, propomos uma simplificação, com
coletas de assinaturas via internet e um rito próprio de tramitação, no
Congresso. Estas propostas precisam ter prioridade de tramitação, ao invés de
cair na vala comum do processo legislativo, como ocorre hoje. Infelizmente, não
podemos, por enquanto, reduzir o número de iniciativas necessárias para propor
leis por iniciativa popular. São aproximada 1,5 milhão, mas é algo estabelecido
pela Constituição.
O segundo eixo de
mudanças estabelecidas no projeto refere-se à democracia representativa.
Queremos proibir as empresas de financiar partidos ou candidatos, por sabermos
que este é um mecanismo óbvio de corrupção. Em vez disso, propomos um sistema
misto, no qual os partidos seriam financiados pelo Estado e por doações de
pessoas físicas, com limites máximos.
Esta questão é
central, porque não podemos pensar em campanhas caríssimas como as atuais, que
tornam imensa a força do poder econômico. Segundo nossa proposta, haverá teto
máximo para contribuição dos cidadãos às campanhas e, ao mesmo tempo, limites
para gasto global pelos partidos.
O projeto propõe
ainda mudanças dos critérios de partillha, entre os partidos, da verbas
provenientes do Estado. Não podemos manter regras que fortaleçam os já fortes e
que tornam alguns partidos imensamente mais fortes que outros
Outro aspecto é o
voto em lista transparente. O voto do eleitor deve favorecer apenas o partido e
candidato escolhido por ele – diferente do que o corre hoje. Para tanto, as
eleições proporcionais (que elegem deputados federais e estaduais e vereadores)
passarão a ser em dois turnos. No primeiro escolhe-se o partido; no segundo
vota-se nos candidatos de cada lista partidária. Estas listas devem ter
paridade de sexo e critérios de inclusão dos demais grupos subrepresentados –
por exemplo, população negra, indígena, homoafetiva, juventude etc.
Em que pé está a
coleta de assinaturas e quem procura mobilizar a sociedade em favor do projeto?
O projeto de lei de
iniciativa popular foi formulado por uma Coalizão pela Reforma Politica
Democrática e Eleições Limpas. É uma frente de mais de cem organizações –
sociedade civil e movimentos sociais. A relação completa pode
ser encontrada no site da campanha:www.reformapolitica.org.br
A iniciativa foi
lançada em setembro de 2013. Já temos mais de 500 mil assinaturas. Estamos
convencidos de que o plebiscito vai multiplicar a mobilização em favor da
proposta. É possível acessar o texto completo do projeto de lei, uma cartilha
explicativa e e formulário para coletar assinaturas no mesmo site.
Se o projeto de
iniciativa popular já prevê tantas mudanças, por que é importante uma
Constituinte exclusiva e soberana sobre o Sistema Político?
A ideia do
plebiscito surgiu o ano passado quando diversos movimentos e organizações se
reuniram para discutir o significado das manifestações de junho. Segundo nossa
leitura, elas revelam, em essencial, o esgotamento do atual sistema politico –
isso é, das formas tradicionais do exercício do poder. Entendemos que, para
mudar isso, é necessário um processo mais amplo de reformas estruturais. Para
tanto, é necessária uma Constituinte exclusiva e soberana.
O plebiscito de 1º
a 7 de setembro não tem valor legal, é claro – não foi organizado pela
sociedade como um todo, por meio do Estado, mas pelos grupos que reivindicam
Reforma Política. Seu papel é mobilizador e formador. Foi precedido por centenas
de cursos de formação de ativistas. O processo durou meses, colocou o tema em
pauta, preparou, com conhecimento e argumentos sólidos, milhares de pessoas,
que agora darão continuidade à campanha
Que tipo de
questões estariam em debate na Constituinte sobre Sistema Político?
Além de todas as
questões levantadas no projeto de Iniciativa Popular, o fortalecimento da
soberania popular, um nova sistema de representação e temas diretamente
relacionados ao poder. Por exemplo precisamos mudar determinadas lógicas
presentes na sobre democratização da Justiça, fim do oligopólio que controla as
Comunicações, organização e atribuição dos Poderes do Estado, democratização da
terra, direito à Cidade. Portanto o plebiscito coloca-se numa perspectiva mais
de longo prazo, discutindo questões centrais que o sistema político atual, por
sua própria natureza, nunca aceita colocar em debate.
As manifestações de
junho de 2013 introduziram um elemento novo no discurso político. Em muitas
delas, os que protestam voltaram-se contra “os políticos”, de forma genérica,
sem especificar a que partidos ou políticos se referem. É como se as diferenças
entre eles estivessem se apagando. Que isso revela sobre crise da representação
no Brasil?
Um elemento
preocupante da forma de se fazer política no Brasil é justamente é esta falta
de diferença entre os diversos partidos e políticos. Isso leva a um descrédito
pois se tudo é igual por que vou me mobilizar, apoiar, etc. Isso leva a uma
crise de representação, pois se “todos são iguais” e a nossa sociedade é
dividida em grupos de interesses, claro que as pessoas não se sentem
representadas.
Em junho, a
presidente Dilma chegou a falar tanto em plebiscito quanto em Reforma Politica.
Ambas as propostas foram sepultadas pelo Congresso Nacional – e ficou tudo por
isso mesmo. Como você avalia a atitude de Dilma então e o fato de ela não ter
insistido na proposta?
A proposta que hoje
levantamos sobre a Constituinte tem diferenças em relação à que foi levantada
pela presidenta. Aquela referia-se, basicamente, ao sistema eleitoral. A nossa
é sobre o sistema politico – ou seja, diz respeito a todas as relações de
poder. Ainda assim, a reação contrária da midia, do STF e da grande parte do
Congresso só demonstra o acerto da nossa estratégia de consultar o povo sobre a
convocação de uma Constituinte exclusiva e soberana do sistema politico.
Depois de viver,
por uma década, um processo modesto de redução da pobreza e certa
redistribuição de riquezas, o Brasil parece paralisado politicamente. Há
consciência de que necessitamos de um passo adiante na conquista de direitos –
mas que não avançamos porque isso exigiria questionar privilégios. De que forma
o atual sistema político protege tais privilégios?
O nosso sistema
político é ao mesmo tempo reflexo da desigualdade e elemento estruturante das
desigualdades. Em outras palavras, estão no topo do sistema político os mesmos
que estão no topo da pirâmide social. O modelo de redistribuir sem contrariar
interesses chegou a seu limite. Daqui pra frente não tem mais como “governar
para todos” até por que numa sociedade baseada na desigualdade como a nossa,
quem diz que esta governando para todos esta mentindo pra alguém.
A campanha pela
Reforma Política busca sensibilizar a sociedade num ano eleitoral, em que as
atenções em geral estão focadas na disputa entre os candidatos. Como abrir
espaço, nesse cenário, para um tema que, em teoria, exige elaboração política
razoavelmente refinada?
O tema da reforma
do sistema político exige, sim, elaboração pois trata de uma questão complexa –
e para questões complexas, não existem respostas simples. Nos últimos tempos,
os processos eleitorais afastam o povo da discussão política. É um paradoxo,
mas nas eleições é onde menos se discute política. Pensamos que o debate sobre
a reforma do sistema político pode resgatar o sentido amplo de se fazer
política, criando novas formas de se fazer política e com novos sujeitos.
Diversos setores
que lutam por um novo sistema político temem a Constituinte por julgar que
vivemos um cenário em que as ideias mais conservadoras estão avançando? Temem
que entrem em debate, ao contrário, assuntos como a redução da maioridade penal
ou a pena de morte. Como isso pode ser evitado?
Avaliamos que a sociedade brasileira
está numa encruzilhada e precisa tomar uma decisão sobre que caminho quer
seguir. Chegamos ao limite da nossa institucionalidade e precisamos criar novas
institucionalidades que tenham condições de processar as demandas populares.
Acreditamos que se tivermos uma igualdade maior na disputa politica,
principalmente na Constituinte, teremos condições de sair desta encruzilhada e
optar para civilidade e não pela barbárie. Não podemos ter medo – e sim,
ousadia.
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