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quinta-feira, 11 de setembro de 2014

REFORMA POLÍTICA: QUE FAZER, DEPOIS DO PLEBISCITO?

O historiador José Antonio Moroni, um dos coordenadores da Coalizão pela Reforma Política Democrática e do Instituto e Estudos Sócio-Econômicos (Inesc),
Moroni: “Chegamos ao limite. Precisamos criar novas institucionalidades processem as demandas populares. Não podemos ter medo – e sim, ousadia”
José Antonio Moroni, entrevistado por Antonio Martins
Em que pé está a articulação da sociedade civil em torno de um a plataforma para a Reforma Política?
Hoje temos duas grandes estrategias politicas em relação a reforma do sistema politico. Uma que a Iniciativa Popular da reforma politica que trata de uma nova regulamentação dos instrumentos de democracia direta e novas normas para o processo eleitoral. Estas mudanças podemos fazer por projeto de lei, não precisam mudanças constitucionais.
Outra estrategia é a convocação de uma Constituinte exclusiva e soberana para o sistema politico. As organizarmos um plebiscito popular, quisemos chamar atenção para a importância de ir mais fundo, alterando também os dispositivos constitucionais que tratam do sistema político.
São duas estrategias distintas, mas que se complementam. Uma tem como objetivo uma incidência a curto prazo; outra, mais a médio e longo prazos.
Vamos por partes, então Que pontos específicos esta Iniciativa Popular pretende? Quem os defende? Em que estágio está? Coleta de assinaturas?
Primeiramente, devemos esclarecer que iniciativa popular não pode propor mudanças constitucionais. Como isso está excluído, nosso projeto concentra-se em dois grandes eixos: ampliar as possibilidades de democracia direta e enfrentar enormes distorções do sistema eleitoral.
Em favor da democracia direta, queremos alterar as leis que regulamentam o artigo 14 da Constituição, ampliando o papel e a força dos plebiscitos, referendo e projetos de iniciativa popular. Algumas decisões centrais para o futuro do país – por exemplo, alienação dos recursos minerais ou das fontes de energia hidráulica da União – só poderiam ser adotadas por meio de plebiscitos ou referendos.
No que trata das iniciativas de lei que partem da sociedade, propomos uma simplificação, com coletas de assinaturas via internet e um rito próprio de tramitação, no Congresso. Estas propostas precisam ter prioridade de tramitação, ao invés de cair na vala comum do processo legislativo, como ocorre hoje. Infelizmente, não podemos, por enquanto, reduzir o número de iniciativas necessárias para propor leis por iniciativa popular. São aproximada 1,5 milhão, mas é algo estabelecido pela Constituição.
O segundo eixo de mudanças estabelecidas no projeto refere-se à democracia representativa. Queremos proibir as empresas de financiar partidos ou candidatos, por sabermos que este é um mecanismo óbvio de corrupção. Em vez disso, propomos um sistema misto, no qual os partidos seriam financiados pelo Estado e por doações de pessoas físicas, com limites máximos.
Esta questão é central, porque não podemos pensar em campanhas caríssimas como as atuais, que tornam imensa a força do poder econômico. Segundo nossa proposta, haverá teto máximo para contribuição dos cidadãos às campanhas e, ao mesmo tempo, limites para gasto global pelos partidos.
O projeto propõe ainda mudanças dos critérios de partillha, entre os partidos, da verbas provenientes do Estado. Não podemos manter regras que fortaleçam os já fortes e que tornam alguns partidos imensamente mais fortes que outros
Outro aspecto é o voto em lista transparente. O voto do eleitor deve favorecer apenas o partido e candidato escolhido por ele – diferente do que o corre hoje. Para tanto, as eleições proporcionais (que elegem deputados federais e estaduais e vereadores) passarão a ser em dois turnos. No primeiro escolhe-se o partido; no segundo vota-se nos candidatos de cada lista partidária. Estas listas devem ter paridade de sexo e critérios de inclusão dos demais grupos subrepresentados – por exemplo, população negra, indígena, homoafetiva, juventude etc.
Em que pé está a coleta de assinaturas e quem procura mobilizar a sociedade em favor do projeto?
O projeto de lei de iniciativa popular foi formulado por uma Coalizão pela Reforma Politica Democrática e Eleições Limpas. É uma frente de mais de cem organizações – sociedade civil e movimentos sociais. A relação completa pode ser encontrada no site da campanha:www.reformapolitica.org.br
A iniciativa foi lançada em setembro de 2013. Já temos mais de 500 mil assinaturas. Estamos convencidos de que o plebiscito vai multiplicar a mobilização em favor da proposta. É possível acessar o texto completo do projeto de lei, uma cartilha explicativa e e formulário para coletar assinaturas no mesmo site.
Se o projeto de iniciativa popular já prevê tantas mudanças, por que é importante uma Constituinte exclusiva e soberana sobre o Sistema Político?
A ideia do plebiscito surgiu o ano passado quando diversos movimentos e organizações se reuniram para discutir o significado das manifestações de junho. Segundo nossa leitura, elas revelam, em essencial, o esgotamento do atual sistema politico – isso é, das formas tradicionais do exercício do poder. Entendemos que, para mudar isso, é necessário um processo mais amplo de reformas estruturais. Para tanto, é necessária uma Constituinte exclusiva e soberana.
O plebiscito de 1º a 7 de setembro não tem valor legal, é claro – não foi organizado pela sociedade como um todo, por meio do Estado, mas pelos grupos que reivindicam Reforma Política. Seu papel é mobilizador e formador. Foi precedido por centenas de cursos de formação de ativistas. O processo durou meses, colocou o tema em pauta, preparou, com conhecimento e argumentos sólidos, milhares de pessoas, que agora darão continuidade à campanha
Que tipo de questões estariam em debate na Constituinte sobre Sistema Político?
Além de todas as questões levantadas no projeto de Iniciativa Popular, o fortalecimento da soberania popular, um nova sistema de representação e temas diretamente relacionados ao poder. Por exemplo precisamos mudar determinadas lógicas presentes na sobre democratização da Justiça, fim do oligopólio que controla as Comunicações, organização e atribuição dos Poderes do Estado, democratização da terra, direito à Cidade. Portanto o plebiscito coloca-se numa perspectiva mais de longo prazo, discutindo questões centrais que o sistema político atual, por sua própria natureza, nunca aceita colocar em debate.
As manifestações de junho de 2013 introduziram um elemento novo no discurso político. Em muitas delas, os que protestam voltaram-se contra “os políticos”, de forma genérica, sem especificar a que partidos ou políticos se referem. É como se as diferenças entre eles estivessem se apagando. Que isso revela sobre crise da representação no Brasil?
Um elemento preocupante da forma de se fazer política no Brasil é justamente é esta falta de diferença entre os diversos partidos e políticos. Isso leva a um descrédito pois se tudo é igual por que vou me mobilizar, apoiar, etc. Isso leva a uma crise de representação, pois se “todos são iguais” e a nossa sociedade é dividida em grupos de interesses, claro que as pessoas não se sentem representadas.
Em junho, a presidente Dilma chegou a falar tanto em plebiscito quanto em Reforma Politica. Ambas as propostas foram sepultadas pelo Congresso Nacional – e ficou tudo por isso mesmo. Como você avalia a atitude de Dilma então e o fato de ela não ter insistido na proposta?
A proposta que hoje levantamos sobre a Constituinte tem diferenças em relação à que foi levantada pela presidenta. Aquela referia-se, basicamente, ao sistema eleitoral. A nossa é sobre o sistema politico – ou seja, diz respeito a todas as relações de poder. Ainda assim, a reação contrária da midia, do STF e da grande parte do Congresso só demonstra o acerto da nossa estratégia de consultar o povo sobre a convocação de uma Constituinte exclusiva e soberana do sistema politico.
Depois de viver, por uma década, um processo modesto de redução da pobreza e certa redistribuição de riquezas, o Brasil parece paralisado politicamente. Há consciência de que necessitamos de um passo adiante na conquista de direitos – mas que não avançamos porque isso exigiria questionar privilégios. De que forma o atual sistema político protege tais privilégios?
O nosso sistema político é ao mesmo tempo reflexo da desigualdade e elemento estruturante das desigualdades. Em outras palavras, estão no topo do sistema político os mesmos que estão no topo da pirâmide social. O modelo de redistribuir sem contrariar interesses chegou a seu limite. Daqui pra frente não tem mais como “governar para todos” até por que numa sociedade baseada na desigualdade como a nossa, quem diz que esta governando para todos esta mentindo pra alguém.
A campanha pela Reforma Política busca sensibilizar a sociedade num ano eleitoral, em que as atenções em geral estão focadas na disputa entre os candidatos. Como abrir espaço, nesse cenário, para um tema que, em teoria, exige elaboração política razoavelmente refinada?
O tema da reforma do sistema político exige, sim, elaboração pois trata de uma questão complexa – e para questões complexas, não existem respostas simples. Nos últimos tempos, os processos eleitorais afastam o povo da discussão política. É um paradoxo, mas nas eleições é onde menos se discute política. Pensamos que o debate sobre a reforma do sistema político pode resgatar o sentido amplo de se fazer política, criando novas formas de se fazer política e com novos sujeitos.
Diversos setores que lutam por um novo sistema político temem a Constituinte por julgar que vivemos um cenário em que as ideias mais conservadoras estão avançando? Temem que entrem em debate, ao contrário, assuntos como a redução da maioridade penal ou a pena de morte. Como isso pode ser evitado?
Avaliamos que a sociedade brasileira está numa encruzilhada e precisa tomar uma decisão sobre que caminho quer seguir. Chegamos ao limite da nossa institucionalidade e precisamos criar novas institucionalidades que tenham condições de processar as demandas populares. Acreditamos que se tivermos uma igualdade maior na disputa politica, principalmente na Constituinte, teremos condições de sair desta encruzilhada e optar para civilidade e não pela barbárie. Não podemos ter medo – e sim, ousadia.

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